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ARQUIVO

Caldeirão

Terça-feira, 31 de Outubro de 2023

“Caldeirão” foi o conceito escolhido para a primeira edição do projeto [ARQUIVO]. Fazendo uma relação com a [CAL-DAY-RAH-DAH] enquanto receita de misturas criativas, questionámos: que histórias evocará "Caldeirão"? Que memórias ainda conseguimos resgatar? Como nos pode inspirar? Deixámos o convite para uma noite mística em que convidámos a Diretora Artística das Esferas Invisíveis Sara Baga para conduzir divagações reais e ficcionais sobre “Caldeirão” o símbolo da origem, da criação, da transformação e de muitas outras relações fascinantes!

“Caldeirão é um dos símbolos femininos mais antigos e sendo fonte de alimentação é também recetáculo de transformação e magia, e por isso associado às feiticeiras. Fonte de abundância e de conhecimento, o caldeirão simboliza o ventre materno e primordial que dá vida e regenera tanto nas tradições pré-cristãs, como nas tradições cristãs. (…) Na literatura celta existe o caldeirão do sacrifício, o caldeirão da ressurreição e o caldeirão da abundância de Dagda, que encerra não só os alimentos físicos como também os alimentos espirituais e o conhecimento. O caldeirão em todas as tradições está ligado à água, elemento ele também de vida. (…) Na China, o caldeirão onde se fervem as ofertas e onde perecem os culpados é sinónimo de felicidade e prosperidade. (…) O carácter universal do caldeirão é de ordem também iniciática, presente nas lendas dos antigos gregos onde cair no caldeirão simboliza uma passagem ritual ou teste para decidir da natureza divina dos heróis, ou seja, da sua imortalidade…”
[Infopedia em falta: adicionar a referência ao livro que fala da recoleção e do contentor como primeiro objeto, e não a faca]



Caldeirão de Sopa

Nutrir o corpo, transformar

Servimos uma reconfortante sopa de legumes da época, batatas doces assadas, frutos secos, pão e vinho.

“Sopa é Bruxaria!
Colocamos plantas, temperos e animais mortos num caldeirão e seguimos as instruções de um livro escrito por velhotes” – Autor desconhecido


Qual é a origem da sopa?

Na caverna de Xianrendong, província de Jiangxi, China, o primeiro exemplo de tigela de sopa foi descoberto e acredita-se que remonte a 20.000 a.C. // Na Irlanda, as pessoas começaram a esculpir rostos demoníacos em nabos para assustar a alma assombradora de Jack. Quando os imigrantes irlandeses se mudaram para os EUA, começaram a esculpi-los em abóboras, que eram nativas da região. // Acredita-se que as abóboras tenham origem na América do Norte há cerca de 9.000 anos. As sementes de abóbora mais antigas foram encontradas no México e datam de algo entre 7.000-5.550 a.C.



Caldeirão de poção mágica

Regenerar a capacidade de acreditar na vida, aumentar fertilidade, criatividade e esperança.

“Esta altura do ano, o Halloween/ ou Samainos remetendo para a tradição de origem celta, é algo contraditória para as bruxas a sério, pessoas adeptas da espiritualidade da Terra, à qual se chamava também a antiga religião da Terra sendo na Europa uma prática de cura espiritual.
Marca-se o fim do ano velho e início do novo ano pagão. E celebra-se a gravidez da Mãe Terra, grávida do Sol que nascerá no solstício de inverno.”

Uma estória de inícios

De um ponto, um inchar
De um inchar, o ovo
Do ovo, o fogo
Do fogo, as estrelas
De uma chuva de estrelas
O congeminar de um mundo, forjado, fundido

O fogo permanece, vê-o a queimar ao centro do círculo
Olhas as chamas, os pontos de luz, faíscas em dança
Olha o fogo, como o respirar do ar que entra e sai dos teus pulmões
O rio mais antigo
Este ar que respiras que já passou pelos pulmões de dinaussauros
Ancestrais
Embala-te no berço do céu nocturno arqueado ao teu redor
Vivo entre bilhões de pontos luminosos dançantes
Respira
Vê a chama
Escuta a voz da história, da primeira estória
Sussurrada no coração secreto das tuas memórias codificadas

Ouve a estória

O labor é duro, a noite longa
Somos mulheres e homens que tendem ao nascimento,
ao criar, à criatividade
à ligação com a cria

Estamos a performar um acto de magia
A puxar uma criança viva de um quase cadáver
Da mãe que estamos simultaneamente a envenenar,
Que é a mãe terra, e somos nós mesmos.
Ela está viva em ti e tu nela
Aquece as tuas mãos humanas
E sente as feridas demasiado profundas para curar
Existem tempos, irmãs e irmãos,
em que temos medo de morrer
e levar connosco a grande dança da vida.

Algo tem de mudar
Sabemos isso
Mas seremos suficientemente fortes?
Teremos esse tempo?

Está é a história que nós contamos pela noite
Quando o fogo é fraco
E o labor é árduo e dura tempo demais
E não acreditamos que vamos conseguir
Aí lembremo-nos da primeira mãe
Ela está viva em ti e tu nela
Uma energia mais potente que qualquer arma
Uma cura mais profunda que qualquer ferida
Sente a energia dela em ti, no teu ventre
O poder dela é a vida, é mais forte
Ela é um ser que gira e rodopia
Fogo coberto de conchas
Um respirar gasoso de nuvens em movimento
Pelo teu giro dançante
Chuva e rodopios por milhares e milhões de anos
Enquanto constróis, destróis e rearranjas e
se desenham as linhas, rugas e vales da tua pele
A água suaviza cada ponta afiada em solo
E enche os caldeiros dos lagos e oceanos
Nas tuas veias flui a água
oceânica

E lembra-te do raio
Faísca que traz algo de novo à existência

Uma célula engole uma célula e se divide e devora
E une e unifica e muda e transforma
Trazendo o verde sobre a terra
Aprendendo a nadar, rastejar, gatinhar, correr, andar, voar, acarinhar
Feito de terra, fogo água e ar
E o que vai para além destes une-os ao mistério

Ela vive em nós: nós estamos vivos nela como uns nos outros
E tudo o que está vivo vive em nós
Tudo vive

Quando temos medo
Quando sofremos demasiado
Gostamos de nos contar
Histórias de poder
De como o perdemos
E como o reclamamos
Contamos a nós mesmos
Que o choro que escutamos pode ser de um parto
E a dor que sentimos pode ser de algo ainda por nascer.


Texto poema base para o caldeirão de criação, início de vida e ano novo pagão.
Inspirado em textos de Starhawk, autora bruxa da linha pagã Reclaiming (na qual Sara Baga é consagrada pela própria)